Rede LEQT se posiciona contra tentativa de censura em rede pública de ensino de Rondônia
No início de fevereiro, um episódio envolvendo suposta tentativa de censura por parte da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (SEDUC-RO) a mais de 40 obras consideradas clássicos da literatura causou comoção entre diversos setores da sociedade.
Por meio de uma nota pública, a Rede Leitura e Escrita de Qualidade para Todos (LETQ) manifestou seu repúdio à tentativa de limitação da livre circulação da produção literária nacional e internacional. Uma das redes temáticas do GIFE, a articulação reúne um amplo espectro de organizações da sociedade civil que atuam no campo da promoção da leitura, da educação e da cultura, incluindo investidores sociais, organizações sociais, produtores editoriais, bibliotecários, autores e representantes do setor público e da academia.
O caso
Segundo o noticiário, o episódio teria sido deflagrado por um alerta via aplicativos de mensagens acerca da existência de uma ordem da Secretaria de Educação para recolhimento de livros considerados “inadequados” a crianças e adolescentes. Entre os autores estão Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Mário de Andrade e Machado de Assis.
De acordo com a nota da LEQT, “as obras não apenas são adequadas para adolescentes e jovens a partir dos anos finais do Ensino Fundamental, como figuram, em grande parte, entre o cânone literário nacional e internacional e são indicadas como leituras obrigatórias para exames vestibulares de instituições públicas e privadas de Ensino Superior”.
Ao G1, o secretário confirmou a existência do documento, revelando tratar-se de um “rascunho” feito por “técnicos” que não chegou a ser expedido. Em nota emitida no mesmo dia, a Secretaria afirma ter recebido denúncia acerca da presença de “livros paradidáticos com conteúdos inapropriados para o público alvo, alunos do Ensino Médio, nas bibliotecas das escolas estaduais”.
“Diante disso, a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da Literatura Brasileira, muitos deles usados em processos seletivos e vestibulares. Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas”, diz trecho da nota.
No documento, o conjunto da Rede LEQT expressa seu estranhamento a qualquer ação da SEDUC-RO que não seja no sentido de ampliar a disponibilização de acervos e a circulação de obras literárias em um estado em que 42% das escolas públicas estaduais (239 unidades educacionais) não possuem biblioteca ou sala de leitura, de acordo com o Censo Escolar 2018.
“A tentativa de censurar a livre circulação de tais obras é uma afronta direta ao Estado democrático de direito e ao princípio constitucional de livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Viola ainda o direito à educação e à cultura de crianças, adolescentes e jovens, contrariando o Estatuto da Criança e do Adolescente e os princípios constitucionais da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber que regem a educação nacional”, observa trecho da nota.
Atuação em rede
Para Ana Lima, da Conhecimento Social – uma das coordenadoras da Rede -, o atual contexto vem demandando cada vez mais esse tipo de manifestação pública assertiva na defesa dos direitos. “É algo novo para todos nós. Vivemos, nos últimos anos, um cenário receptivo à discussão de direitos e valorização da pluralidade e da diversidade. Agora, estamos vivendo um retrocesso em relação a isso, o que também nos impõe aprender a lidar com esse novo contexto.”
A consultora observa a importância, mas também o desafio de construção de posicionamentos comuns de uma articulação tão diversa e plural. “Temos desde indivíduos, autores e escritores que militam na área da leitura e escrita até bibliotecas comunitárias e públicas e organizações vinculadas à formação de professores, à cadeia de produção do livro, às políticas públicas do setor e ao Plano Nacional do Livro e Leitura. Ao mesmo tempo em que é um mérito dessa rede acolher perfis tão diferentes, é um grande desafio se comunicar em uníssono com pontos de vistas convergentes, mas não necessariamente idênticos. Nesse sentido, estamos em um esforço coletivo de construir uma dinâmica que propicie à LEQT se posicionar publicamente enquanto voz relevante do setor.”
A necessidade de foco e reflexão estratégica deve ser a escolha da rede no próximo período, na tentativa de evitar dispersão frente à multiplicidade e à frequência de episódios que demandam respostas e posicionamentos no atual contexto político do país.
“Não podemos ficar reagindo ‘no varejo’ a cada coisa que acontece porque todos os dias algo demanda nosso posicionamento e a Rede precisa de tempo para construir esses consensos e pode não conseguir responder a tempo. Precisamos mesmo ser mais estratégicos nesse tipo de reação, pois existem contextos relacionados à implementação de novas políticas e ao aprimoramento da legislação existente que merecem posicionamentos mais técnicos e refletidos.”
A consultora convida outros indivíduos, organizações e coletivos que atuam no setor da leitura e escrita a se somarem nesse movimento de maior reflexão e incidência pública.
“Nossa tendência vai ser cada vez mais usar de situações e episódios como esse para nos posicionar em favor ou contrariamente a determinadas posturas. Estamos construindo, por exemplo, nosso posicionamento sobre a nova política de alfabetização do MEC [Ministério da Educação], que requer uma resposta mais argumentada, técnica e baseada em evidências. Como temos na rede perfis com alto grau de expertise nesse tópico e em outros que merecem esse tipo de atuação, a ideia é reagir com conteúdos que reflitam as competências existentes dentro da Rede. E convidamos outros segmentos, dentro ou fora do GIFE, a se unirem a essa nossa reflexão porque o problema parece ser de todos nós.”