Retrospectiva 2020: Incidência política, difusão de conhecimento e comunicação digital são destaques da atuação da Rede LEQT

Desafios impostos pela pandemia, eleições e ameaças ao direito ao livro e leitura exigiram a reorientação de ações e agilidade nas respostas
Amanda Proetti, Estúdio Cais

“O ano de 2020 trouxe, como em muitas outras áreas, enormes desafios ao campo do livro, da leitura e da escrita no Brasil. A omissão, descontinuidade ou ataque do governo federal às políticas públicas sociais, somam-se aos desafios impostos pela pandemia à atuação da sociedade civil, seja na incidência para a defesa dos direitos – com os prejuízos trazidos à participação social pelo funcionamento remoto do Congresso e de diversas casas legislativas e órgãos públicos -, seja na realização de ações de promoção e mediação da leitura, com as restrições impostas pela necessidade de isolamento ao funcionamento de bibliotecas e outros espaços de cultura.”
Gustavo Paiva
Gustavo Paiva

A reflexão acima é de Gustavo Paiva, assessor de Relações Institucionais do CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária e integrante do GT (Grupo de Trabalho) Comunicação e Advocacy da Rede LEQT. Ele traduz o panorama de desafios que marcaram este ano.

Soma-se a este cenário, a redução no número de leitores no país, com exceção apenas da faixa etária entre cinco e dez anos, apontada pela 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. O estudo explicitou ainda a ausência de bibliotecas escolares em grande parte das escolas públicas, os impactos da pandemia como determinante para o aumento das desigualdades educacionais, a concorrência das mídias sociais e dos dispositivos eletrônicos com o livro pelo tempo livre de crianças e adolescentes.

Dianne Melo

Diante desses desafios, Dianne Melo, responsável pela área de Engajamento Social e Leitura do Itaú Social e uma das coordenadoras da Rede LEQT, destaca as ameaças de retrocessos em diversas frentes: “foram inúmeros riscos relacionados à censura, passando pelo enfraquecimento como um todo da sociedade civil e das políticas federais de educação e correlatas, até a possibilidade de taxação dos livros por meio de propostas de reforma tributária. Ou seja, temos muito trabalho pela frente”, observa a coordenadora.

Apesar do contexto desfavorável, houve muita resistência. Exemplo disso foi a atuação da RNBC (Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias), da Associação Vaga Lume e da Rede LiteraSampa, que realizaram inúmeras atividades on-line e mobilizaram uma ampla rede de bibliotecas comunitárias para levar a muitos territórios cestas básicas, kits de higiene e muita leitura nesse momento de isolamento social.

Foto: Arquivo/Rede LiteraSampa

“Fizemos TUDO, TUDO o que podíamos para cuidar da nossa gente. Fizemos tudo o que podíamos, para que ficássemos em casa. Fizemos tudo para que o isolamento não se traduzisse em abandono. Sabíamos que a literatura seria boa companhia. Sabíamos que o nosso poder de realização, de conclusão de planos nos ajudaria a chegar com algo mais do que o cansaço de agora. Que ao finalizar o que nos propusemos, terminaríamos o ano com a sensação de que juntes somos mais. Somos mais que mais. Somos córrego que vira riacho que vira rio que vira oceano e cachoeira”, escreveu Bel Santos Mayer — inspirada em texto da poeta Zainne Lima —, em relatório anual da Rede LiteraSampa sobre o Programa Prazer em Ler, realizado em parceria com o Itaú Social e a RNBC.

TRABALHO EM REDE

Neste 2020, a LEQT atuou em muitas frentes. “Conseguimos reagir com agilidade para entender e responder às mudanças provocadas pela pandemia e, ao mesmo tempo, fazer avançar algumas ações que estavam no horizonte do planejamento realizado no início do ano, quando ainda podíamos nos reunir presencialmente. Afinal, a omissão ou o ataque às políticas públicas de leitura e escrita não cessaram durante esse período. Quem não tem assegurado esse direito tem pressa”, observa Gustavo.

Ana Lima

Prioridades precisaram ser repensadas, ações tiveram que ser reinventadas, estruturas e orçamentos revistos. Para Ana Lima, consultora da organização Conhecimento Social e uma das coordenadoras da Rede LEQT, o saldo é positivo. “Tivemos avanços importantes que contribuíram para seguirmos consolidando a LEQT como um espaço de encontro de múltiplos atores do campo brasileiro que trabalham em prol da efetivação do direito à leitura e à escrita”, celebra.

“Demos passos também ao assumir posicionamentos públicos, em nome de toda a Rede, diante de propostas e políticas que representam retrocessos na promoção do direito à leitura de qualidade para todos. E descobrimos a potência dos webinars on-line, capazes de congregar grande diversidade de público em debates de alta qualidade. A LEQT encerra o ano de 2020 fortalecida, consciente de seu papel e ainda mais comprometida com o direito à leitura e à escrita, com as pessoas e as organizações envolvidas em sua promoção e com os espaços – físicos e virtuais – capazes de assegurá-los”, aponta Ana Lima.

Agenda política ganhou destaque em ano de eleições

Por ser um ano eleitoral, 2020 impulsionou a Rede LEQT a identificar áreas estratégicas, principalmente no cenário político da leitura e da escrita. Tendo em vista o comprometimento das candidaturas a prefeitura e vereança dos municípios brasileiros, a LEQT produziu a Carta-Compromisso pela efetivação dos Planos Municipais de Leitura, previstos pela Lei 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE). A Rede convocou eleitores de todo o país a apresentarem o documento a seus candidatos e cobrarem sua adesão.

Janine Durand

Para Janine Durand, diretora da Jnana Consultoria Educação, Cultura e Redes e cogestora do GT Territórios, da LEQT, a iniciativa permitirá seguir fazendo o controle social desses mandatos. “Pretendemos sensibilizar outros parceiros e atores sociais. Um país leitor é a base para a cidadania e garantia da construção da plena democracia. Essa agenda precisa ganhar novos aliados para além dos que já atuam nesse campo.”

Mapeamento de Planos do Livro e Leitura

Ainda na direção da agenda política que envolve o campo da leitura e escrita, a LEQT promoveu um amplo mapeamento de políticas públicas municipais do livro e leitura Brasil afora.

Para isso, a Rede contou com a consultoria de José Castilho Marques Neto e Renata Costa, ex-secretários executivos do Plano Nacional do Livro e Leitura, que conduziram a pesquisa com o apoio dos integrantes da Rede e de seus GTs, em especial o GT Territórios.

A divulgação dos resultados do levantamento está prevista para 2021. O estudo tem em vista incentivar e apoiar o desenvolvimento de ações voltadas à consolidação de planos de leitura no maior número possível de estados e municípios brasileiros.

Para Janine, a iniciativa leva em conta que a política pública de Estado é fundamental para a democratização do acesso ao livro, leitura e literatura. “Muitas cidades avançaram nesse sentido e outras não deram um único passo. O mapeamento tornará pública essa fotografia e nos ajudará na compreensão do quanto ainda temos que avançar nas articulações nos territórios e na sensibilização da sociedade para o tema”, afirma.

Ana Lima ressalta que o mapeamento pode servir para ampliar a incidência da LEQT e das organizações que a integram junto às novas gestões municipais. “Entendo a cidade como o espaço onde o direito à leitura e à escrita de qualidade se concretiza em suas bibliotecas públicas, escolares e comunitárias e em seus espaços de cultura”, observa.

Posicionamentos públicos

2020 também foi o ano em que a LEQT ampliou sua capacidade de responder de forma rápida aos acontecimentos da macro agenda pública que envolvem a garantia do direito ao acesso ao livro e leitura.

Foi o caso dos posicionamentos em resposta à tentativa de censura por parte da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (SEDUC-RO) a mais de 40 obras consideradas clássicos da literatura, ao novo programa de alfabetização do governo federal e à proposta do Ministério da Economia de acabar com a isenção fiscal para livros. No caso desta última, a Rede também contribuiu participando de debate organizado pelos Jornalistas Livres sobre o assunto.

Produção e difusão de conhecimento

O ano também foi movimentado para a LEQT no campo da produção e difusão de conhecimento. Começando pelo  Mapeamento da Rede LEQT: Análise Estrutural de Redes. Produzido com o apoio do consultor Rogério da Costa, do LInc (Laboratório de Inteligência Coletiva), o estudo sistematiza parte do conhecimento acumulado com o trabalho e a articulação do grupo ao longo dos últimos oito anos.

“O ano de 2020 só reforçou o quanto trabalhar em rede é fundamental. Isso ficou claro nas conexões que visualizamos no Mapeamento da LEQT. A multiplicidade de parcerias entre os membros da Rede e também com outros atores diversos mostra bem a capilaridade que nossas ações podem ter, levando a transformação da leitura para todo o país”, afirma Luciana do Vale, curadora da Plataforma Pró-Livro e integrante do GT Conhecimento da LEQT.

Ainda na direção de compartilhar os aprendizados acumulados ao longo de sua atuação, a Rede sistematizou a experiência de atuação no município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, junto à prefeitura e às organizações locais, visando fortalecer as ações do PMLLLB (Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas).

A partir de entrevistas com pessoas envolvidas ativamente no processo, foi possível mapear aprendizados que devem ser aplicados no direcionamento das ações do GT Territórios.

“Colaborar com reflexões e ações para garantir o direito humano à literatura nos diversos territórios do país é pauta fundamental do GT Territórios e da LEQT. A aposta na sistematização teve a intenção de mostrar os impactos da ação em rede e os aprendizados que se desdobram e podem servir de inspiração para atuação em outros locais, tanto para a iniciativa privada, como para a pública”, observa Janine.

A disponibilização do Sistema de Indicadores LEQT On-line na Plataforma Pró-Livro é outro destaque da atuação da LEQT em 2020 na área da difusão de conhecimento. Realizada em parceria com Instituto Pró-Livro, a ferramenta visa apoiar escolas, bibliotecas públicas, privadas ou comunitárias, empresas, organizações da sociedade civil e setor público em processos de monitoramento e avaliação de ações e projetos do campo da leitura.

Com mil perguntas e cerca de cinco mil possibilidades de respostas, o Sistema permite a criação de questionários personalizados: seleção de itens para criação de formulários em função das necessidades de cada projeto ou instituição, geração de link para envio do instrumento de coleta ao público alvo e acesso aos relatórios com a tabulação das respostas e apresentação dos resultados.

O convite da Rede agora é para que as diferentes instituições que atuam no campo do livro e da leitura no Brasil utilizem o instrumento. Para a LEQT, os indicadores abrem uma enorme oportunidade para a criação de parâmetros relevantes e compartilhados, que permitem às diferentes instituições avaliar e monitorar projetos na perspectiva de torná-los ainda mais eficientes no alcance de suas metas.

Luciana Vale

Para Luciana, o Sistema é a concretização da capilaridade da Rede. Como curadora da Plataforma Pró-Livro, a especialista acompanha também o processo de análise dos projetos inscritos no Prêmio IPL Retratos da Leitura e percebe a grande dificuldade que os responsáveis pelos projetos de leitura têm na hora de avaliar metas, resultados e estruturas.

“Ter essa ferramenta de avaliação sistematizada e disponível, não só para os mais de 700 projetos já cadastrados na Plataforma, mas para qualquer projeto de leitura, de qualquer tamanho, só traz fortalecimento para as ações que transformam por meio da leitura.”

O espaço digital ganhou força

A adaptação ao ambiente virtual imposta pela pandemia gerou novos aprendizados e avanços no âmbito da LEQT, que teve que rever suas ações presenciais e reorganizá-las no formato digital, de modo a atender ao planejamento e manter a Rede mobilizada para as atividades previstas e também as emergenciais.

“Percebemos que garantir espaços alternativos de interlocução interna e investir na construção de fóruns virtuais para dialogar com os diferentes atores que hoje atuam com leitura e escrita é de extrema importância”, observa Dianne.

Essa nova realidade abriu oportunidades para a realização de webinars sobre temas relevantes como: “O livro na formação das crianças: uma leitura crítica do PNLD 2022 Educação Infantil”, “Política Nacional de Leitura e Escrita: avanços e perspectivas” e “Bibliotecas brasileiras: avanços e desafios para universalização da leitura”.

Outro marco no campo da comunicação digital foi o lançamento do site da Rede, que reúne alguns dos resultados de seus oito anos de atuação, bem como informações, publicações, notícias e eventos de interesse do campo da leitura e escrita. Além disso, a Rede também ganhou um selo que traduz sua identidade visual. A peça poderá ser aplicada pelas organizações integrantes da LEQT em seus portais e demais canais de comunicação.

“Com o novo site da LEQT, a realização de alguns webinars em redes sociais e a participação em matérias de alguns veículos de comunicação, a Rede também avançou na capacidade de mobilizar e engajar não só as organizações da sociedade civil, fundações, institutos, editoras, redes, bibliotecas públicas e comunitárias que a compõem, mas também outros atores que atuam pela leitura e escrita de qualidade em diversos territórios do país”, celebra Gustavo.

Próximos passos

Para 2021, está previsto um conjunto de ações que contemplam a produção de novas publicações e estudos, a realização de seminários e formações, a participação da LEQT em espaços e debates públicos, a elaboração e divulgação de novos posicionamentos públicos, a manutenção e atualização do site, bem como a gestão e expansão das redes sociais e demais canais de comunicação da Rede, além da contínua sistematização e divulgação de informações e notícias relevantes sobre o campo e a agenda pública da leitura e escrita.

Para Gustavo, os desafios ainda são muitos e passam pela realização de ações de advocacy , que não responda só a ameaças de retrocessos, mas também seja capaz de fazer avançar boas políticas na área – o que pressupõe monitoramento e articulação constante com tomadores de decisão, o que ficou bastante prejudicado durante a pandemia.

“Temos potencial para ousar e inovar mais como rede nas formas e linguagens para mobilizar e engajar pessoas interessadas nessa temática em ações efetivas. Nesse sentido, esse período de intensa digitalização da vida nos traz grandes desafios, mas também algumas oportunidades interessantes de alcançar a novos públicos e espaços”, conclui o assessor.

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